segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Santinha.

—Menino, apaga o lampião i vai drumi!

— Mas mãinha, tô rezando pra santinha...

— Bobage, estas coisa num inxisti!

— Inxisti sim mãinha, eu já vi a santinha quando rezo pra ela.

— Bestera, para di inventa coisa i vai drumi!

— A sinhora tamém disse qui era bestera a duença du pai, num levô ele nu
médico i ele morreu... O Valdinho num quiria roba a vendinha, i a sinhora tamém falô
qui era bestera, agora meu irmão tá preso... A Rosiana num quiria si deitá cum aqueles
moço, mais a sinhora falô qui era bestera i qui ela tinha qui ganhá dinhero, agora ela tá
quase morrendo cum a tal di Aids... A sinhora botô veneno nu café da vó, só pra ficá
cum a casa dela, i disse que era bestera uma véia tê uma casa bunita daquela...
Mãinha, tô venu a santinha... ela falô qui vô prum tal di abrigu, i qui lá uma famía vai
mi adotá! Agora ela tá falanu preu fecha os zóio i tampa os ovido pruque um coisa ruim
vem busca a sinhora — em seguida, o garoto fez o que a santa mandou.

Antes que a mulher pudesse falar qualquer coisa, um pequeno ser vermelho e
enrugado surgiu das sombras para arrastar a mulher em desespero para o mundo das
trevas.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Velho Casebre

Ao caminhar na calçada do velho casebre abandonado, me detive ao ouvir
algumas vozes. No quintal da casa, havia um casal, um pequeno garoto e uma
jovem com aproximadamente meus 15 anos. Eles vestiam roupas antigas, iguais
às fotos do álbum de minha avó Benedita. Ao ver-me, a jovem de vestido branco
com um crucifixo nas mãos, aproximou-se e falou:
- Sei que não me conhece, mas por favor, encontre um padre e diga à ele para
entrar no porão desta casa. Lá ele encontrará o resultado da ação de uma
esposa ciumenta, que há 49 anos, após envenenar e matar sua família,
arrastou um a um para o porão, e cortando os pulsos, uniu-se à eles.
À seguir, a jovem e sua família se despediram e entraram na casa.
Horas depois, ao lado de meu pai, e de um padre, encontramos quatro esqueletos
no porão, e entre eles, um de vestido branco com um crucifixo nas mãos.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Lados opostos.

Era tarde da noite quando cheguei ao prédio onde moro e, o encontrei sem
energia elétrica. Iniciei então a subida da escada e, logo após, encontrei sentada
em um degrau, uma jovem e belíssima loira, de vestidinho preto e maravilhosas
pernas. Ao me ver, a loira sorriu e disse: “Gostaria de viver para sempre ao meu
lado?” Surpreso com a pergunta, respondi: poderia repetir?
- Aceite viver eternamente ao meu lado, me dê sua mão e, iremos para meu lar!
Neste momento, uma senhora muito idosa, trajando um vestido branco e um xale
azul claro, surgiu ao meu lado: “Meu filho, me dê sua mão, preciso de sua ajuda!”
- Certamente – respondi!
A loira, retrucou: “Me trocará por esta velha? Vamos, me dê sua mão!”
- Auxiliarei esta senhora até seu apartamento e, logo retornarei – respondi. À
seguir, segurei a mão da idosa – senti uma imensa sensação de paz. Contrariada,
a loira se ergueu furiosa e desapareceu deixando um rastro de fumaça negra e
fétida. Atônito, olhei para a velha senhora que, sorriu e disse: “Obrigada por me
ajudar a ajudá-lo!” À seguir, também sumiu, deixando um suave perfume de rosas.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Aparições

O sonhado apartamento não era novo, mas exceto a grande mancha marrom no
carpete da sala, o restante estava como tal! Após alguns dias, comecei a ouvir
ruídos, passos, e às vezes... suspiros! À noite, sonhos atiçavam meus instintos
masculinos... aquela bela morena de coxas roliças... De início, até gostei de tais
excitantes sonhos, mas em certa manhã - ao acordar com meus “instintos
atiçados”, ao levantar-me, percebi gotas de sangue formando um rastro dos “pés”
da pia do banheiro à minha cama. E ao ver através do espelho do banheiro, um
vulto atrás de mim, decidi: necessitava de ajuda! O porteiro do prédio, esclareceu
minhas dúvidas: o marido gigolô - descontente com a divisão do dinheiro dos
programas que a morena fazia, após uma discussão, a degolou com um facão. O
sangue se espalhou pelo carpete da sala e, após muita limpeza, restou aquela
mancha marrom! Somente após a visita do padre Felipe ao bendito apartamento,
consegui acabar com os ruídos, as aparições em meu espelho e, meus rotineiros
sonhos. Hoje, restaram os diários rastros de gotas de sangue e, algumas vezes,
manchas vermelhas em formato de delicadas mãos a tingir o espelho do banheiro!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Yago

Ao acordar, Yago notou que não estava em seu quarto — encontrava-se
deitado em uma espécie de maca, rodeado de flores, velas acesas e algumas pessoas.
Próxima a ele, uma senhora chorava sua morte, já os demais presentes, aparentavam
estar no local por pura obrigação. Súbito, vultos disformes invadiram o local e
passaram a rodeá-lo enquanto gargalhavam e falavam sobre a vida que teria no
mundo da escuridão. Pouco depois, outro ser se aproximou do corpo inerte — tratava-
se de um pequeno homem, finamente trajado, o qual foi reverenciado pelas demais
criaturas —, e após um leve sorriso, falou:
— Há anos acompanho seus passos, desde cedo, aprendeu a arte da mentira,
da discórdia, da dissimulação... Aproveitou-se das pessoas, roubou, maltratou,
humilhou, ironizou a desgraça dos que estavam ao seu redor... Assim, decidi estar
aqui pessoalmente neste momento, para lhe encaminhar à sua nova morada, onde
perderá a visão, a fala, e será eternamente o servo de meus servos. Pois somente a
mim cabe tanta maldade, e se lhe permitisse transitar livremente em meu reino,
brevemente tentaria tomar o meu lugar.


Pouco depois, enquanto seu corpo era cremado, Yago em desespero, era
arrastado para o mundo das trevas.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Aurora

- Muitos praguejam a vida que possuem!
Muitos reclamam de sua própria aparência!
Muitos amaldiçoam àqueles que lhes deram a vida!
Eu nada praguejo, reclamo ou amaldiçôo, pois há séculos sou rico, poderoso, jovem e
irresistível. A escuridão sempre me acolheu de braços abertos, os humanos jamais
resistiram aos meus encantos, e o sangue... Ah, o doce e quente alimento! Há séculos
possuo tudo que desejo, e se me empolguei ao me divertir com minhas vítimas e não
percebi os avisos da angustiada aurora, que precedia no horizonte meu cruel inimigo
Sol - já prestes a despontar -, a culpa é somente minha! Como um falcão se
arremessa sobre a perdiz, me lanço rumo à minha morada, mas o primeiro ataque da
estrela chamada Sol, é ainda mais veloz e toca-me levemente, provocando ardência no
local. Logo a seguir, atinge furiosamente todo meu ser. A dor é imensa... Ah, há
quanto tempo não sinto dor, há quanto tempo não sinto o pavor da proximidade de
meu fim?! Perco as forças, tombo ao chão, meu corpo começa a se dissipar e, partes
de mim, agora transformadas em pó, se dispersam ao vento... Meus sentidos entram
em declínio, é chegado o meu fim!

domingo, 24 de janeiro de 2010

Tocado por Anjos

Desprezado pela mãe, explorado pelo pai, ignorado pela família... Assim foi sua infância. Até que um dia algo fantástico aconteceu: se o garoto pudesse enxergar além de sua visão, sentir além de seu tato e ouvir além de sua capacidade, veria um fascinante ser alado, transparente e sólido como um cristal, a proferir palavras em uma língua desconhecida dos seres humanos e tocar-lhe a testa com seus dedos em forma de pequenas lanças. Se o pequeno garoto pudesse ver, sentir e entender, saberia que aquele ser lhe havia concedido o dom da palavra para guiar multidões e, quem sabe, ser um novo profeta.

Anos se passaram, o garoto se tornou um jovem, e frequentemente utilizava o dom divino que havia recebido: não guiava multidões, não ensinava, não ajudava... Usava seus dons para conquistar mulheres e conseguir boas posições dentro da empresa - mesmo que para isso precisasse humilhar, mentir e desrespeitar. Com seus dons, fez várias pessoas perderem seus empregos, casamentos e relacionamentos terminarem, e até ser responsável por um suicídio...
Causou muita dor e sofrimento!

O tempo passou...

Se aquele velho senhor pudesse enxergar além de sua visão, se pudesse sentir além de seu tato e ouvir além de sua capacidade, veria um fascinante ser alado, enrugado, vermelho, olhos amarelos e luminosos, garras, presas e chifres avantajados, a lhe proferir palavras desconhecidas dos humanos, e lhe reservar um lugar ao seu lado no reino da escuridão.